Publicado no New Yor Times [via Folha.com]
Vi no FazAgora
As mídias, incluindo as ferramentas interativas de redes sociais,
tornam você passivo, podem solapar sua iniciativa e fazer com que você
se contente em assistir ao espetáculo da vida desde seu sofá ou
smartphone.
Até mesmo durante uma revolução, ao que parece.
Essa é a tese provocante de um novo artigo de Navid Hassanpour,
pós-graduando em filosofia política na Universidade Yale, intitulado
“Bloqueios da Mídia Exacerbam Agitação Revolucionária”.
Usando cálculos complexos e vetores que representam a tomada de
decisões por parte de potenciais manifestantes, Hassanpour, que é Ph.D
em engenharia elétrica pela Universidade Stanford, estudou o levante
recente no Egito.
Sua pergunta foi: “Até que ponto foi inteligente a decisão tomada
pelo governo do presidente Hosni Mubarak em 28 de janeiro, no meio dos
protestos cruciais na praça Tahrir, de fechar as conexões com a internet
e os telefones celulares?”.
A conclusão dele é que a decisão não foi tão inteligente assim, mas
não pelas razões que se poderiam prever. “A conectividade plena em uma
rede social às vezes representa um obstáculo à ação coletiva”, ele
escreve.
Em outras palavras: a atividade toda de postar e trocar mensagens no
Twitter e no Facebook é ótima para organizar e difundir uma mensagem de
protesto, mas também pode transmitir uma mensagem de cautela, adiamento,
incerteza, ou, ainda, “não tenho tempo para esta política toda. Você já
viu o último figurino de Lady Gaga?”.
É uma conclusão que contraria a ideia amplamente aceita de que as
mídias sociais ajudaram a impelir os protestos. Hassanpour usou relatos
feitos pela imprensa das explosões de agitação no Egito para mostrar que
a partir de 28 de janeiro os protestos se disseminaram mais amplamente
por Cairo e pelo país. Não havia necessariamente mais manifestantes, mas
o movimento se disseminou para mais partes da população.
Ele chama a isso o “processo de localização”. “Pode ser difícil medir
esse processo, mas você pode testá-lo –pode testar o que acontece
depois que entra em efeito uma interrupção das conexões.”
“A interrupção parcial ou total da cobertura dos telefones celulares e
da internet em 28 de janeiro exacerbou a turbulência de pelo menos três
maneiras importantes”, ele escreve. “Chamou a atenção de muitos
cidadãos apolíticos, que não tinham consciência da turbulência ou não
estavam interessados nela; obrigou a realização de mais comunicação cara
a cara, ou seja, mais presença física nas ruas; e, finalmente,
descentralizou concretamente a rebelião no dia 28, graças à adoção de
novas táticas de comunicação híbridas, fato que gerou algo muito mais
difícil de controlar e reprimir do que teria sido uma única aglomeração
de massa na praça Tahrir.”
Em entrevista, Hassanpour descreveu a “escuridão estranha” que
acontece em uma sociedade privada de mídia. “Somos mais normais quando
sabemos do que está acontecendo; somos mais imprevisíveis quando não
sabemos. Em uma escala de massas, isso tem implicações interessantes.”
O governo de Hosni Mubarak caiu, e, aos 83 anos, o ex-presidente vem
sendo levado de maca a um tribunal do Cairo para enfrentar acusações
criminais de corrupção e cumplicidade na morte de manifestantes.
Jim Cowie, executivo-chefe de tecnologia da Renesys, firma que avalia
como a internet está operando em todo o mundo, acredita que outro líder
cercado, Muammar Gaddafi, pode ter tomado nota da experiência egípcia.
Em um post em um blog no site da empresa, “O que a Líbia aprendeu com
o Egito”, Cowie escreveu em março que a Líbia estudou a ideia de
interromper a conexão com a internet no país.
Os líderes líbios “enfrentaram a mesma decisão no período que
antecedeu a guerra civil”, ele escreveu, “e a cada vez, possivelmente
por terem aprendido com o exemplo egípcio, eles optaram por não
implementar um blecaute de vários dias de todas as conexões”.
Os governos sofisticados compreendem “que fechar o acesso à rede
radicaliza as coisas”, disse Hassanpour em entrevista. O que é mais útil
para os governos é “sufocar a largura de banda”, reconhecendo que “a
internet é algo que é possível reduzir, sem eliminar”. Esse processo
visa tornar a conexão menos confiável e pronta, de modo que as páginas
da Web demorem para ser carregadas e que o streaming vídeo seja
imperfeito.
De acordo com Jim Cowie, o Irã foi um dos vários países que
perceberam que “o negócio não é desligar a internet, mas fazer com que
ela seja menos útil”, ao controlar quais bairros têm acesso a ela, por
exemplo.
Hassanpour, que nasceu e foi criado no Irã, concorda: “O Irã faz isso de maneira localizada”.
Então o que é que acontece aqui? Com certeza, bloquear a capacidade
de manifestantes de usarem a internet e os celulares para conspirar é
algo que atrai líderes de todos os tipos. Em resposta aos tumultos
recentes, também o governo britânico estava tentando decidir sobre uma
maneira de conseguir acesso a serviços de rede social como o Twitter, o
Facebook e o sistema de mensagens do BlackBerry, para impedir potenciais
saqueadores de se organizarem.
Falando ao Parlamento neste mês, o primeiro-ministro, David Cameron,
apresentou um argumento em favor da repressão: “Estamos trabalhando com a
polícia, os serviços de inteligência e a indústria para saber se seria
correto impedir as pessoas de se comunicarem por meio desses sites e
serviços, nos casos em que sabemos que elas estão tramando violência,
desordem e criminalidade”.
Essa proposta, da qual o governo britânico recuou recentemente, levou
defensores das redes sociais a observar que nem todo o organizar feito
por meio das redes sociais teve finalidades negativas. Outros observam
que, graças às redes sociais, as autoridades podem acompanhar o que é
planejado e tentar reagir.
Hassanpour contou que sentiu-se inspirado a formular suas perguntas
devido ao insight proporcionado por um artigo de 2009 de Holger Lutz
Kern, de Yale, e Jens Hainmueller, do MIT, que analisaram a Alemanha
durante a Guerra Fria e tentaram determinar o efeito da exposição à
mídia alemã ocidental de alemães orientais que conseguiam assistir à
televisão alemã ocidental.
Os autores analisaram a fundo algumas das interpretações sérias da
suposta influência da mídia ocidental –como, por exemplo, a visão de que
a mídia “dava às pessoas que viviam atrás da Cortina de Ferro a
esperança e a garantia de que o mundo livre não as esquecera” e permitia
que os alemães “traçassem comparações entre a propaganda política
comunista e informações dignas de crédito vindas do exterior”.
A conclusão deles, baseada em pesquisas alemãs orientais antes
classificadas sobre jovens e pedidos de visto de saída da Alemanha
oriental, foi que “a exposição à televisão alemã ocidental aumentava o
apoio ao regime alemão oriental”.
“Ela oferecia aos jovens uma válvula de fuga das carências de
produtos, das filas e da doutrinação ideológica, tornando mais
suportável a vida sob o comunismo e mais tolerável o regime alemão
oriental”, escreveram os autores em seu artigo “Ópio para as Massas:
Como Mídias Estrangeiras Podem Estabilizar Regimes Autoritários”.
“Não argumentamos necessariamente que o conteúdo político da
televisão alemã ocidental não tenha enfraquecido em nada o apoio público
ao regime alemão oriental”, eles escreveram. “Mas as evidências mostram
que o efeito líquido da exposição à TV alemã ocidental foi um aumento
no apoio ao regime.”
Essa conclusão pode representar um alívio para quem acha que mais
importância vem sendo atribuída à tecnologia que às idéias, organizações
e condições em campo.
Todd Wolfson, professor assistente de jornalismo e estudos de mídia
em Rutgers e organizador comunitário na Filadélfia, disse que há, de
fato, “um papel crescente a ser desempenhado pelas mídias sociais”, mas
que elas “não podem criar esse tipo de movimento de massas e não a
criam”.
Ele citou o escritor Frantz Fanon, que discutiu o papel das rádios na
revolta argelina contra os franceses na década de 1950. Quando os
franceses tentaram bloquear suas transmissões, escreveu Fanon em seu
livro de 1959 “L’An V de la Révolution Algérienne”, os rebeldes passaram
a ter ainda mais poder, porque os ouvintes deixaram de ser passivos. A
descrição feita por Fanon lembra a “escuridão estranha” mencionada por
Hassanpour:
“Durante uma hora a sala ficava repleta do ruído penetrante e
doloroso do bloqueio da transmissão. Por trás de cada modulação, de cada
crepitar ativo, o argelino imaginava não apenas palavras, mas batalhas
concretas.”
Seu “caráter fantasmagórico”, foi a conclusão paradoxal de Fanon, “conferia ao combate seu máximo de realidade”.
Tradução: Clara Allain
Foto: Ed Ou/The New York Times
Nenhum comentário:
Postar um comentário