"Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história." Bill Gates

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Redes sociais podem ser um chamado à ação, ou uma distração


Jovens egípcios usam a internet para divulgar informações sobre manifestações contra Hosni Mubarak


Publicado no New Yor Times [via Folha.com]
Vi no FazAgora

As mídias, incluindo as ferramentas interativas de redes sociais, tornam você passivo, podem solapar sua iniciativa e fazer com que você se contente em assistir ao espetáculo da vida desde seu sofá ou smartphone.

Até mesmo durante uma revolução, ao que parece.

Essa é a tese provocante de um novo artigo de Navid Hassanpour, pós-graduando em filosofia política na Universidade Yale, intitulado “Bloqueios da Mídia Exacerbam Agitação Revolucionária”.

Usando cálculos complexos e vetores que representam a tomada de decisões por parte de potenciais manifestantes, Hassanpour, que é Ph.D em engenharia elétrica pela Universidade Stanford, estudou o levante recente no Egito.

Sua pergunta foi: “Até que ponto foi inteligente a decisão tomada pelo governo do presidente Hosni Mubarak em 28 de janeiro, no meio dos protestos cruciais na praça Tahrir, de fechar as conexões com a internet e os telefones celulares?”.

A conclusão dele é que a decisão não foi tão inteligente assim, mas não pelas razões que se poderiam prever. “A conectividade plena em uma rede social às vezes representa um obstáculo à ação coletiva”, ele escreve.

Em outras palavras: a atividade toda de postar e trocar mensagens no Twitter e no Facebook é ótima para organizar e difundir uma mensagem de protesto, mas também pode transmitir uma mensagem de cautela, adiamento, incerteza, ou, ainda, “não tenho tempo para esta política toda. Você já viu o último figurino de Lady Gaga?”.


É uma conclusão que contraria a ideia amplamente aceita de que as mídias sociais ajudaram a impelir os protestos. Hassanpour usou relatos feitos pela imprensa das explosões de agitação no Egito para mostrar que a partir de 28 de janeiro os protestos se disseminaram mais amplamente por Cairo e pelo país. Não havia necessariamente mais manifestantes, mas o movimento se disseminou para mais partes da população.
Ele chama a isso o “processo de localização”. “Pode ser difícil medir esse processo, mas você pode testá-lo –pode testar o que acontece depois que entra em efeito uma interrupção das conexões.”

A interrupção parcial ou total da cobertura dos telefones celulares e da internet em 28 de janeiro exacerbou a turbulência de pelo menos três maneiras importantes”, ele escreve. “Chamou a atenção de muitos cidadãos apolíticos, que não tinham consciência da turbulência ou não estavam interessados nela; obrigou a realização de mais comunicação cara a cara, ou seja, mais presença física nas ruas; e, finalmente, descentralizou concretamente a rebelião no dia 28, graças à adoção de novas táticas de comunicação híbridas, fato que gerou algo muito mais difícil de controlar e reprimir do que teria sido uma única aglomeração de massa na praça Tahrir.”

Em entrevista, Hassanpour descreveu a “escuridão estranha” que acontece em uma sociedade privada de mídia. “Somos mais normais quando sabemos do que está acontecendo; somos mais imprevisíveis quando não sabemos. Em uma escala de massas, isso tem implicações interessantes.”

O governo de Hosni Mubarak caiu, e, aos 83 anos, o ex-presidente vem sendo levado de maca a um tribunal do Cairo para enfrentar acusações criminais de corrupção e cumplicidade na morte de manifestantes.

Jim Cowie, executivo-chefe de tecnologia da Renesys, firma que avalia como a internet está operando em todo o mundo, acredita que outro líder cercado, Muammar Gaddafi, pode ter tomado nota da experiência egípcia.

Em um post em um blog no site da empresa, “O que a Líbia aprendeu com o Egito”, Cowie escreveu em março que a Líbia estudou a ideia de interromper a conexão com a internet no país.

Os líderes líbios “enfrentaram a mesma decisão no período que antecedeu a guerra civil”, ele escreveu, “e a cada vez, possivelmente por terem aprendido com o exemplo egípcio, eles optaram por não implementar um blecaute de vários dias de todas as conexões”.

Os governos sofisticados compreendem “que fechar o acesso à rede radicaliza as coisas”, disse Hassanpour em entrevista. O que é mais útil para os governos é “sufocar a largura de banda”, reconhecendo que “a internet é algo que é possível reduzir, sem eliminar”. Esse processo visa tornar a conexão menos confiável e pronta, de modo que as páginas da Web demorem para ser carregadas e que o streaming vídeo seja imperfeito.

De acordo com Jim Cowie, o Irã foi um dos vários países que perceberam que “o negócio não é desligar a internet, mas fazer com que ela seja menos útil”, ao controlar quais bairros têm acesso a ela, por exemplo.
Hassanpour, que nasceu e foi criado no Irã, concorda: “O Irã faz isso de maneira localizada”.

Então o que é que acontece aqui? Com certeza, bloquear a capacidade de manifestantes de usarem a internet e os celulares para conspirar é algo que atrai líderes de todos os tipos. Em resposta aos tumultos recentes, também o governo britânico estava tentando decidir sobre uma maneira de conseguir acesso a serviços de rede social como o Twitter, o Facebook e o sistema de mensagens do BlackBerry, para impedir potenciais saqueadores de se organizarem.

Falando ao Parlamento neste mês, o primeiro-ministro, David Cameron, apresentou um argumento em favor da repressão: “Estamos trabalhando com a polícia, os serviços de inteligência e a indústria para saber se seria correto impedir as pessoas de se comunicarem por meio desses sites e serviços, nos casos em que sabemos que elas estão tramando violência, desordem e criminalidade”.

Essa proposta, da qual o governo britânico recuou recentemente, levou defensores das redes sociais a observar que nem todo o organizar feito por meio das redes sociais teve finalidades negativas. Outros observam que, graças às redes sociais, as autoridades podem acompanhar o que é planejado e tentar reagir.

Hassanpour contou que sentiu-se inspirado a formular suas perguntas devido ao insight proporcionado por um artigo de 2009 de Holger Lutz Kern, de Yale, e Jens Hainmueller, do MIT, que analisaram a Alemanha durante a Guerra Fria e tentaram determinar o efeito da exposição à mídia alemã ocidental de alemães orientais que conseguiam assistir à televisão alemã ocidental.

Os autores analisaram a fundo algumas das interpretações sérias da suposta influência da mídia ocidental –como, por exemplo, a visão de que a mídia “dava às pessoas que viviam atrás da Cortina de Ferro a esperança e a garantia de que o mundo livre não as esquecera” e permitia que os alemães “traçassem comparações entre a propaganda política comunista e informações dignas de crédito vindas do exterior”.

A conclusão deles, baseada em pesquisas alemãs orientais antes classificadas sobre jovens e pedidos de visto de saída da Alemanha oriental, foi que “a exposição à televisão alemã ocidental aumentava o apoio ao regime alemão oriental”.

Ela oferecia aos jovens uma válvula de fuga das carências de produtos, das filas e da doutrinação ideológica, tornando mais suportável a vida sob o comunismo e mais tolerável o regime alemão oriental”, escreveram os autores em seu artigo “Ópio para as Massas: Como Mídias Estrangeiras Podem Estabilizar Regimes Autoritários”.

Não argumentamos necessariamente que o conteúdo político da televisão alemã ocidental não tenha enfraquecido em nada o apoio público ao regime alemão oriental”, eles escreveram. “Mas as evidências mostram que o efeito líquido da exposição à TV alemã ocidental foi um aumento no apoio ao regime.”

Essa conclusão pode representar um alívio para quem acha que mais importância vem sendo atribuída à tecnologia que às idéias, organizações e condições em campo.

Todd Wolfson, professor assistente de jornalismo e estudos de mídia em Rutgers e organizador comunitário na Filadélfia, disse que há, de fato, “um papel crescente a ser desempenhado pelas mídias sociais”, mas que elas “não podem criar esse tipo de movimento de massas e não a criam”.

Ele citou o escritor Frantz Fanon, que discutiu o papel das rádios na revolta argelina contra os franceses na década de 1950. Quando os franceses tentaram bloquear suas transmissões, escreveu Fanon em seu livro de 1959 “L’An V de la Révolution Algérienne”, os rebeldes passaram a ter ainda mais poder, porque os ouvintes deixaram de ser passivos. A descrição feita por Fanon lembra a “escuridão estranha” mencionada por Hassanpour:

Durante uma hora a sala ficava repleta do ruído penetrante e doloroso do bloqueio da transmissão. Por trás de cada modulação, de cada crepitar ativo, o argelino imaginava não apenas palavras, mas batalhas concretas.”

Seu “caráter fantasmagórico”, foi a conclusão paradoxal de Fanon, “conferia ao combate seu máximo de realidade”.

Tradução: Clara Allain
Foto: Ed Ou/The New York Times


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